"Onde está escrito que os livros inspirados são 66?” Essa pergunta foi feita por dom Amaury Castagno, bispo da Diocese de Jundiaí, no então jornal A Tribuna de Jundiaí (SP), na edição de 31/10 a 06/11/1995, em uma matéria intitulada Perguntas Indiscretas. A matéria se constitui numa série de questionamentos que os católicos romanos devem dirigir aos protestantes.
Mesmo se não tivéssemos uma resposta bíblica para a referida
pergunta, poderíamos respondê-la usando outra pergunta: “Onde está escrito que os
livros inspirados são 73?”. É o método dos judeus, que o próprio Jesus usou, de responder
uma pergunta com outra pergunta (Marcos 11.28-33 e Lucas 20.2-25).
O foco da discussão são os livros de 1 e 2 Macabeus, Tobias,
Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Baruque e os acréscimos ao livro de
Ester e Daniel, num total de 73 livros em sua Bíblia. São acréscimos à Bíblia
ou faltam livros em nossas Bíblias?
Esses livros sobressalentes nas versões católicas da Bíblia são
chamados de livros apócrifos. A palavra “apócrifos” vem do grego apócrifos e significa
“escondidos”. Essa literatura foi produzida numa época de agitação religiosa e
política na vida do judaísmo, entre 300 a.C. e 100 d.C. Os rabinos chamavam
esses livros de “os de fora”, ou seja, fora do Cânon Sagrado dos judeus. Cirilo
de Jerusalém seguiu esse mesmo pensamento, simplesmente substituiu o termo
usado pelos rabinos por “apócrifos”.
Os livros do Velho Testamento que adotamos são os mesmos aceitos
pelos judeus, por nosso Senhor Jesus Cristo e seus apóstolos. Desde muito cedo
na História da Igreja havia discussões sobre esses livros. Agora cabe aqui uma
pergunta: Por que a Igreja Católica Romana usou durante seus primeiros séculos
esse mesmo Cânon, mudando-o somente após a Reforma Protestante, no Concílio de
Trento? Por que ocorreu a necessidade de se acrescentar algo a uma lista que se
mostrou satisfatória por tantos séculos?
Esses livros estavam presentes na Septuaginta, mas nunca fizeram
parte das Escrituras hebraicas. O Sínodo de Jâmnia, concílio dos rabinos,
realizado por volta do ano 100 d.C., portanto, depois do encerramento do Cânon
dos judeus, debateu sobre a permanência de Provérbios, Eclesiastes, Cantares e
Ester no Cânon Judaico. Nada foi modificado, o Cânon permaneceu inalterado.
O Terceiro Concílio de Cartago, em 397, propôs a inclusão desses
livros no Cânon Sagrado, mas como de leitura adequada, mesmo assim Jerônimo
resistiu. Eles foram incluídos na Vulgata, mas ocupando um lugar secundário,
apresentando essa diferença entre os libris ecclesiastici e os libri canonici. Os
reformadores reconheceram os apócrifos como indignos e contraditórios com as
doutrinas dos livros canônicos. Em 1534 Martinho Lutero traduziu a Bíblia
completa e incluiu os apócrifos com estes dizeres: “Apócrifos, isto é, livros
que não são considerados iguais à Sagrada Escritura”. Em 1827, a British and Foreign Bible Society decidiu excluir os apócrifos
de suas Bíblias e pouco depois os norte-americanos seguiram o mesmo padrão.
Esses livros apresentam erros históricos, geográficos,
anacronismos. Ensinam doutrinas falsas e incentivam práticas divergentes das
Escrituras inspiradas. O estilo destoa das Escrituras Canônicas e faltam o
caráter divino e a autoridade profética. Filon, Josefo, o Sínodo de Jamnia,
Orígenes, Cirilo de Jerusalém, Atanásio e muitos outros da patrística citaram
tais livros, mas nenhum deles reconheceu a sua autoridade.
O Cânon Hebraico constitui-se apenas do Velho Testamento, embora
seu texto seja igual ao nosso Velho Testamento em português. Porém, é diferente
apenas no seu arranjo. Os judeus consideram os livros de Samuel como se fossem
apenas um livro, da mesma forma os livros dos Reis, das Crônicas, Esdras e
Neemias, também os doze livros dos profetas menores como um só, sendo os nossos
39 livros reduzidos a 24, sem contudo alterar seu conteúdo.
A Bíblia hebraica, desde a época do ministério terreno do Senhor
Jesus, estava dividida em três partes: Lei, Hagiógrafos (Escritos Sagrados) e
Profetas, em hebraico Torah, Nevyim ve Chituvim, cuja sigla ainda hoje usada é Tanach. Segundo Josefo, essa era a
mesma divisão da Bíblia do primeiro século:
“Temos somente vinte e dois que compreendem
tudo o que se passou, e que se refere a nós, desde o começo do mundo até agora,
e aos quais somos obrigados a prestar fé. Cinco são de Moisésque refere tudo o
que aconteceu até sua morte, durante perto de três mil anos e a sequência dos
descendentes de Adão. Os profetas que sucederam a esse admirávellegislador,
escrreveram em treze outros livros, tudo o que se passou depois de sua morte
até ao reinado de Artaxerxes, filho de Xerxes, rei dos persas e outros livros,
contém hinos e cânticos feitos em louvor de Deus e preceitos para os costumes.
Escreveu-se também tudo o que se passou desde
Artaxerxes até os nossos dias, mas como não se teve, como antes, uma sequência
de profetas, não se lhes dá o mesmo crédito que os outros livros, de que acabo
de falar e pelos quais temos tal respeito, que ninguém jamais foi tão atrevido
para tentar tirar ou acrescentar, ou mesmo modificar-lhes a mínima coisa. Nós
os consideramos como divinos, chamamo-los assim; fazemos profissão de
observá-los inviolavelmente e morrer com alegria se for necessário, para
prová-lo” (História
dos Hebreus, Contra Apion, Livro I, capítulo 2, CPAD, Rio, 1992).
Dois pontos de fundamental importância encontramos nessa
declaração de Josefo. Primeiro, os apócrifos são mencionados como não tendo o
mesmo crédito dos demais. Convém lembrar que isso não é coisa dos protestantes.
Trata-se, portanto, de um documento do final do primeiro século. Em segundo
lugar, o historiador apresenta a mesma tríplice divisão que o Senhor Jesus
mencionou em Lucas 24.44: “Convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei
de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos”. Os ‘Salmos’ representam os Hagiógrafos, pois
encabeçam essa última parte, e que nesse Cânon não constam os apócrifos.
A seleção dos livros autorizados ocorreu depois do encerramento
do Cânon Sagrado, obviamente não pode ser encontrado na Bíblia. Portanto, a
pergunta do bispo está mal formulada ou é capciosa. Visto que os 27 livros do
Novo Testamento estão fora de questão, pois são os mesmos das edições católicas
da Bíblia. O problema reside no Velho testamento. O Senhor Jesus usou e citou o
cânon dos judeus, com isso podemos afirmar que a própria Bíblia afirma ser
composta de 66 livros.
Pr. Esequias Soares, Teólogo Apologista
da CPAD, Assembleia de Deus Jundiaí/SP
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