PREÂMBULO
O termo apócrifo origina-se do grego apokryphos,
(Mc 4.22), cujas variantes de seu significado podem ser: oculto;
escondido; secreto ou misterioso. Esta expressão tem sido
aplicada comumente, em matéria bíblico-teológica, a certos livros que, embora
tenham sido classificados como “sagrados” por alguns cristãos da antiguidade,
não são aceitos por muitos como canônicos, isto é, de redação
divinamente inspirada. Esta palavra ocorre novamente em Colossenses 2.3, para
designar o depósito divino e “oculto” da sabedoria que se acha em Deus. O
termo foi empregado pela primeira vez para classificar uma
relação de livros,
na
Stromata 13, capítulo 4; obra de Clemente de Alexandria (
Titus
Flávios Clemens), escritor, doutor e apologista da Igreja, mestre de
Orígenes.
DEFINIÇÕES
Na antiguidade, também no âmbito da Igreja, a
expressão apócrifo designava qualquer obra literária da qual
não se conhecia o autor, ou ainda, aquelas que ao invés do nome próprio,
registrasse apenas o pseudônimo. Em matéria literária religiosa, sempre que uma
obra trazia sentido dúbio em seu contexto, questionava-se sua canonicidade,
aplicando-lhe o termo e, neste caso, com conotação pejorativa.
Qual é o significado das palavras cânon e
canônico?
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Canôn
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De origem semítica, na língua hebraica “qãneh” em Ez 40.3; e no grego:
“kanón”, em Gl 6.16″. Tem sido traduzido em nossas versões em português como
“regra”, “norma”. Literalmente, significa vara ou instrumento de medir.
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Canônico
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Aquilo que está de acordo com o cânon. Em relação aos 66 livros da
Bíblia
hebraica e evangélica.
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O livro de Apocalipse, hoje constante do
cânon neotestamentário, aos olhos de Gregório de Nissa (falecido em 395 d.C.)
carecia de autenticidade e, portanto, fora exclusivamente tido por ele como
obra apócrifa. Orígenes de Alexandria também classificava como tal
as citações bíblicas cujas origens eram desconhecidas. Jerônimo, outro doutor
da Igreja, tradutor da Vulgata Latina, questionou a legitimidade do texto de
Efésios 5.14, afirmando ter sido obra de um profeta desconhecido e, portanto,
de origem apócrifa. Epifânio, por sua vez, entendia dever
referir-se o termo aos livros aos quais não se guardava espaço na Arca da
Aliança, posto serem acondicionados em outro ambiente.
Mais tarde, a palavra apócrifo alcançou
maior abrangência, passando também a definir a literatura espúria e herética,
muito embora no século V, continuasse a ser frequentemente empregada para
definir obras religiosas não canônicas, e não exatamente aquelas tidas por
heréticas. O uso original, que se referia à ausência de canonicidade, é o que
predomina até hoje. Neste âmbito, Geisler, em sua Enciclopédia de
Apologética, apresenta a seguinte divergência de posicionamento quanto a cânon das Escrituras entre as correntes doutrinárias católica e protestante:
Posição católica sobre o cânon
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Posição protestante sobre o cânon
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A igreja determina o cânon
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A igreja descobre o cânon
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A igreja é mãe do cânon
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A igreja é filha do cânon
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A igreja é magistrada do cânon
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A igreja é ministra do cânon
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A igreja regula o cânon
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A igreja reconhece o cânon
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A igreja é juíza do cânon
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A igreja é testemunha do cânon
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A igreja é mestra do cânon
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A igreja é serva do cânon
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APÓCRIFOS DO ANTIGO TESTAMENTO
Havia diversidade de conceitos acerca dos livros do
Antigo Testamento entre os povos contemporâneos dos hebreus. Os saduceus, por
exemplo, valorizavam somente os livros mosaicos (Pentateuco) como genuinamente
inspirados. Os adeptos do farisaísmo, da região palestina, criam nas obras
veterotestamentárias tal e qual aparecem nas atuais Bíblias utilizadas pelos
evangélicos. Já os judeus helenistas respeitavam essencialmente o cânon que
foi atribuído à Bíblia empregada pela Igreja Católica Romana, a mesma que hoje
se utiliza. A tradução grega do Antigo Testamento, chamada Septuaginta (ou
Versão dos LXX apóstolos), agregou em seu conteúdo os chamados apócrifos.
Esta situação acabou levando os cristãos da época, que não possuíam uma
definição ditada pelos doutores, a considerarem a autenticidade dos apócrifos,
o que prevaleceu até aproximadamente o ano de 400 d.C., quando Jerônimo, autor
da Vulgata Latina, desclassificou as obras por entender que não traziam coesão
doutrinária com os demais livros, muito embora a Igreja oriental pré-patrística
e a ocidental, que precedeu a Reforma Protestante, continuassem a creditar
legitimidade a estas obras.
Após a Reforma, o colegiado eclesial atribuiu nova
e diversificada classificação a estes livros, como: a) Comuns (não sagrados),
adotada pela congregação de Westminster ou b) Registros de exemplos morais e
históricos (descartando o emprego doutrinário), conforme versou a Bíblia de
Genebra, os Trinta e Nove artigos da Igreja Anglicana e a Igreja Oriental.
A sagração dos apócrifos para emprego na Bíblia
Católica Romana, se deu no Concílio de Trento (1546-1548), que descartou a
classificação de Jerônimo que não os incluiu em sua Vulgata, desprezando,
todavia, as obras: a) I e II Esdras e b) A oração de Manassés, sendo esta a
posição atual. A Igreja Ortodoxa Grega entende como correta a posição do
Concílio de Trulan (692), adotando na íntegra o emprego dos hoje ditos livros
apócrifos.
As relações dos apócrifos constantes na Bíblia
Católica, que foram inscritos na sua integralidade, contem sete títulos e
alguns acréscimos: Tobias, Judite, I Macabeus, II Macabeus, Sabedoria,
Eclesiástico, Baruc, Acréscimos em Daniel, Acréscimos em Ester.
Diferença entre as Bíblias hebraicas,
protestantes e católicas
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Bíblias
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Bíblia hebraica
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Bíblia protestante
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Bíblia católica
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Livros no A.T.
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39 livros
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39 livros
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46 livros
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Livros no N.T.
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Os judeus não aceitam o N.T.
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27 livros
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27 livros
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Dentre os quais podemos destacar uma série de
narrativas comprometedoras quanto à legitimidade da reclamada inspiração,
tomando por base o texto anotado na versão da Bíblia de Jerusalém.
IMPLICAÇÕES NO LIVRO DE TOBIAS
Tobias, um romance do tempo do cativeiro de Israel
pela Assíria, cita um certo demônio chamado Asmodeu, isoladamente dos demais
livros bíblicos, e que segundo o apócrifo, tem por especialidade destruir
matrimônios, matando os maridos; a tantos quantos for a mulher entregue (Tb
3.8).
No capítulo 4, v. 10, o texto atenta contra a
salvação pela fé, declarando que “…a esmola livra da morte e impede que se caia
nas trevas…” o que obviamente está relacionado ao contexto espiritual. Este é
sem dúvida um dos trechos dos quais Roma extrai a ideia de que as boas obras
podem prover salvação.
A partir do v.4 do capítulo 5, Tobias encontra-se
com Rafael, um suposto anjo de Deus que possui características particulares: é
mentiroso e herege. Pela narrativa nota-se que esta insólita criatura: a) É um
dos filhos de Israel (Tb 5.5); b) Se hospeda com frequência na casa de um certo
Gabael (Tb 5.6); c) Mente sobre sua identidade e afirma ser filho de Azarias,
filho do grande Ananias, um dos irmãos do pai de Tobias (Tb 5.13); d) Ensina
curandeirismo a Tobias, afirmando que a fumaça do coração ou do fígado de um
certo peixe apanhado por Tobias, quando queimado, afugenta demônios para sempre
e, o fel (vesícula), cura um determinado tipo de cegueira (Tb 6.7-9).
No capítulo 6 Tobias dá testemunho do já citado
demônio Asmodeu, mas agora, declarando ter ele sentimento de “amor” por Sara,
sua parenta, e por isso, matou seus sete maridos durante as núpcias (Tb 6.15).
Para aniquilar este suposto Asmodeu, o dito anjo
pede para Tobias exercitar feitiçaria quando Sara lhe for dada por esposa,
colocando fogo no coração e no fígado de um peixe durante as núpcias, para que
a fumaça afugente Asmodeu para sempre da presença de Sara (Tb 6.17,18).
No capítulo 8, após o encantamento realizado por
Tobias para afugentar o demônio, é dito que Rafael saiu atrás de Asmodeu e o
seguiu até o Egito, para só então acorrentá-lo (Tb 8.1-3). A vesícula (fel) do
peixe, que o suposto anjo havia dito ter poder para curar determinada cegueira,
entra em ação no capítulo 11, promovendo a cura do pai de Tobias, Tobit. Esta
cura, segundo a promessa do próprio anjo, seria provida por Deus (Tb 5.10);
entretanto, posteriormente, a cura é atribuída por Tobias ao anjo herege e
mentiroso (Tb 12.3). Em meio a tais contradições não é possível concluir quem –
ou o que teria curado a cegueira de Tobit.
Em Tobias 12.7, Rafael faz uma declaração que
contradiz a experiência de Jó, quando diz: “Praticai o bem e a desgraça não vos
atingirá”, o que parece restringir Deus a uma automaticidade que não existe.
O ápice da heresia na obra de Tobias aparece na
frase: “A esmola livra da morte e purifica do pecado”, pois o livro de Hebreus,
respaldado em toda a lei e cerimonial mosaico, refere que “sem derramamento de
sangue não há remissão de pecados” (Hb 9.22).
Após isso, o falso anjo também profetiza
falsamente, declarando: “Os que dão esmola terão longa vida” (Tb 12.9).
Depois disso, Rafael deixa a mentira e revela sua suposta identidade, qual
seja: Ser ele um enviado de Deus para benefício da família de Tobit (Tb 12.15).
Por tudo isso, verifica-se em Tobias dificuldades
insuperáveis, que desqualificam a obra até mesmo para o exame histórico.
IMPLICAÇÕES NO LIVRO DE JUDITE
Esta literatura, cuja escrituração se deu em 100
a.C. aproximadamente, acha-se repleta de vícios que desmerecem seu emprego como
fonte segura de citação. Uma análise superficial é o bastante para identificar
trechos fabulosos que não encontram amparo no todo da Escritura Sagrada.
Em Judite 1.1 já constatamos uma declaração isolada
do mais do Antigo Testamento, a qual atribui o reinado de Nabucodonosor, rei da
Babilônia (Assíria), em Nínive. Outra falha demonstrada pelo autor deste
apócrifo se acha na citação de Holofernes como general do
exército de Nabucodonosor (Jt 2.4), posto que este personagem sequer é citado
nos textos canônicos. Quem aparece na Bíblia ocupando este cargo é Nebuzaradã
(Jr 39.9-18; 40.1-6).
No capítulo 5 o autor emprega mal as palavras e
afirma que os hebreus foram expulsos do Egito (Jt 5.12). Mas, como sabemos, os
hebreus deixaram o Egito empreendendo fuga, o que é diametralmente avesso à
expulsão.
No capítulo 13, encontramos Judite orando a Deus e
pedindo-lhe força para atacar o general (vv. 4-7), todavia, não se vislumbra no
texto sequer uma única referência divina de concordância ou consentimento de
Deus neste ataque. No v.11, Judite atribui o homicídio a Deus, dizendo: “O
Senhor nosso Deus ainda está conosco para realizar proezas […] e exercer seu
poder contra os inimigos” (v.11). Vejamos: Judite planeja o ataque; adorna-se
para tal; seduz Holofernes para passar com ele a noite em sua tenda e por fim,
decapita-o. Onde se acha a proeza e o exercício do poder divino? As
manifestações bíblicas de Deus operando em batalhas, são avalizadas por
ocorrências sobrenaturais (2Sm 5.24; Jz 7.2,7).
Um último e estranho aspecto deste livro apócrifo é
a citação de entrega de vítimas espontâneas (16.18), que parece estar
relacionada à oferta de sacrifícios, mas inscrita de forma a propiciar outras
interpretações, como por exemplo, pessoas que sujeitassem a serem imoladas em
holocaustos, posto que não há espontaneidade de oferecer-se em holocausto
sequer nos animais, elementos comuns nestes rituais.
Assim, constata-se que também este apócrifo atendeu
a apelação romana, que por ocasião da reforma, acresceu na Bíblia uma obra que
não se igualaria jamais aos textos canônicos.
1° E 2° LIVROS DE MACABEUS
O título provém da alcunha atribuída a Judas
(Macabeu) em 1Mb 2.4, sendo posteriormente estendido aos seus correligionários.
A Bíblia de Jerusalém declara, em sua nota de
rodapé, que o relato de 1Mb abrange um período aproximado de quarenta anos, que
compreende desde a ascensão de Antíoco Epifanes ao trono (175 a.C.), até o
início do governo de João Hircano (134 a.C.).
Embora o original tenha sido escrito no idioma
hebraico, preservou-se apenas uma tradução grega. Seu autor, segundo consta,
foi um judeu da palestina que procedeu em sua escrituração no ano 134 a.C. A
introdução do livro aponta seu herói principal – Judas Macabeu – o qual o
introdutor, reconhece como o cronista (não o autor) de uma luta que culminou
com a salvação do povo judeu. Quanto a 2Mb, esclarece-se não se tratar de uma
continuação do primeiro volume, mas que, em parte, pode ser qualificado como um
paralelo do mesmo. Atesta-se uma grande diferença entre o gênero literário do
segundo para o primeiro livro, principiando pelo fato deste paralelo ter sido
escrito originalmente no idioma grego e ser apresentado como um resumo da obra
de um certo Jasão de Cirene (2.23), a qual, em seu formato de origem possuía
cinco volumes, transformados então no compêndio que ora analisamos. É
qualificado pelos críticos da igreja romana como obra cujo estilo
escriturístico está relacionado às características helenistas, não sendo,
todavia, dos melhores. Credita-se, porém, maior conhecimento da cultura
helênica a este autor (o de 2Mb) que àquele de 1Mb.
IMPLICAÇÕES EM 1ºMACABEUS
Em 2.46, o texto nos apresenta um certo Matatias
empreendendo incursões por terras israelitas circuncidando a força todos
os meninos que se achavam nestas terras e que por ventura não tivessem sido
atingidos pela determinação de Levítico 12.3 e, neste aspecto, provocando
conflito com o texto de Zacarias 4.6, onde tal procedimento é vetado.
Existem problemas de ordem eclesial administrativa no livro. Um deles surge em
10.20, quando Jônatas é ungido sumo sacerdote do Templo por um ímpio, que
sequer pertencia à comunidade israelita. O rei Alexandre Balas, filho de
Antíoco Epifanes (10.1), procede à citada ordenação, com o intuito de fazer
prevalecer sua oferta a Jônatas, em detrimento de Demétrio, outro rei que,
segundo a narrativa, pretende aliar-se a Jônatas. Desconhecia ou ignorou o
escritor de 1Macabeus, que havia um procedimento padrão para a ordenação do
sumo sacerdote, prevista em Êxodo 29, e que, obviamente, deveria partir de
mandado divino e procedida por alguém habilitado para tal, o que não era o caso
de Alexandre Balas. Outro procedimento atípico envolvendo a postura de Jônatas
refere-se a como poderia ter sido consagrado sumo sacerdote, o qual tinha por
atribuição exclusiva cuidar da administração do santuário, e ao mesmo tempo
acumular as funções que eram atinentes ao que administrava os procedimentos
militares? (10.21).
Em 12.21, outra declaração estranha e sem par nos
canônicos se verifica. Afirma o texto: “Encontrou-se, num documento referente
aos espartanos e aos judeus, a informação de que são irmãos e que pertencem a
descendência de Abraão”. Não se acha na história de Esparta qualquer ligação
étnica, ainda que longínqua, entre judeus e espartanos, quanto mais que refira
irmandade entre estes povos.
Em 15.8, Antíoco VII encaminha uma
carta a Simão, irmão de Judas Macabeu (a este tempo, já morto – 9.18)
concedendo-lhe inúmeros e inigualáveis benefícios, mas um deles, em especial,
chega ao absurdo: “Toda dívida que tenhas no momento para com o tesouro real,
ou que venhas a contrair no futuro, desde agora e para sempre te seja
cancelada”. Ora, em tese, Simão estava habilitado a tomar “emprestado” todo o
tesouro real sem que tivesse qualquer obrigação em ressarci-lo, o que implica
em que, querendo Simão, poderia perfeitamente tomar o reino de Antíoco
VII para si.
Esta breve panorâmica demonstra que uma crítica
mais séria, que considere as minúcias do texto e as práticas literárias
adotadas pelo escritor desta obra apócrifa, como a transcrição integral de
todas as cartas que mutuamente se enviavam, torna-se irresistível para uma
consolidação do livro como autêntico.
IMPLICAÇÕES EM 2ºMACABEUS
Acompanhando o estilo de escrita de 1Mb, aqui
também constatamos, entre outras coisas, uma série de anacronismos. Começando
pela narrativa sobre a morte do rei Antíoco, que aqui (1.11-17) menciona uma
morte brutal por apedrejamento e posterior esquartejamento, enquanto que em 1Mb
6.1-17, o relato da morte deste rei retrata uma situação bem mais amena, em que
Antíoco teria morrido de tristeza por não ter alcançado seu objetivo quanto a
conquista de Elimaida e de suas riquezas.
Também destoa a primeira narrativa sobre a morte de
Antíoco, do que se acha em seu capítulo 9, que versa sobre o juízo divino que
teria caído sobre este rei em decorrência de sua arrogância, proporcionando-lhe
dores, fraturas, chagas e a ação de vermes que o levaram a morte. Destas
contradições, depreende-se tratar a obra (respeitadas as menções a personagens
históricos verídicos) de uma fábula, mesmo porquê, os próprios editores da
Bíblia de Jerusalém reconhecem que o autor associou a morte deste Antíoco (Epifanes)
a de Antíoco III, numa compilação da crença popular, posto que ninguém conhecia
ao certo a forma como Antíoco Epifanes havia perecido.
Em 2.13-15 encontra-se menção de obras das quais
não consta citação paralela. Trata-se de supostas obras escritas por Neemias,
Davi e que estariam guardadas na biblioteca de Neemias. Judas Macabeu teria
sido um dos que colaboraram na recuperação destes livros (v.14). Dos vv.19-32
pode-se vislumbrar com facilidade a artificialidade da obra, em cuja narração,
feita na primeira pessoa do plural (nós), descobre-se um esforço do escritor em
atender as necessidades dos prováveis leitores, o que infere planejamento
humano para transcrição de algo, impedindo que se qualifique, nesta parte, como
obra divinamente inspirada, quando atentamos para os ditos: “…para os que
desejam adentrar nos relatos da história […] tivemos o cuidado de proporcionar
satisfação…”. (vv.24,25). Agrava-se a prova contra a inspiração e a falta de
orientação divina para este livro quando o autor declara que: “Contudo, pelo
reconhecimento que esperamos de muitos, de boa mente nos submetemos à dura
tarefa” (v.27). O autor, com isto, efetivamente se mostra desprovido de amparo
espiritual, bem diferente do que ocorre com os escritores do Antigo Testamento.
Em 10.10, nova exposição de frases retratam a obra
como produção meramente humana, quando o autor relata que é ele quem irá
narrá-las e que resumirá os fatos. Assim procedendo o escritor, descortinou a
verdade acerca de um texto que estava completamente sob seu domínio, procedendo
na sua produção como bem entendia.
Em 12.38-45 se acha narrado o episódio mais
questionável de todo o livro. Trata-se da coleta de ofertas que se destinariam
a Jerusalém e que seria oferecida em prol das almas dos soldados judeus mortos
por terem tocado em coisa imunda, proibida pela Lei Mosaica. A comparação é
prática: O episódio narrado no apócrifo é em tudo semelhante ao que se descreve
em Josué 7.1-26. Assim como Acã levou para o acampamento judeu objetos que aos
judeus estava vetado o contato (Dt 7.25,26), trazendo como consequência a
derrota dos judeus numa batalha considerada ganha, igualmente os homens de
Judas Macabeus ocultaram sob suas vestes objetos consagrados aos ídolos de
Jamnia (2Mb 12.40), tornando-se reconhecido pelos correligionários
sobreviventes de Judas que aquele havia sido o motivo da morte dos
transgressores. Roma se valeu deste episódio narrado para tentar fundamentar a
suposta eficácia da oração pelos mortos, mas sem considerar um contra-senso: A
Acã, seus familiares e todo o seu patrimônio, restou a atroz sentença de ser apedrejado
e queimado, enquanto que os homens de Judas Macabeu, além receberem
sepultamento digno, se procedeu em benefícios destes uma coleta destinada a
Jerusalém para expiação do pecado, para que os mesmos tivessem direito a
ressurreição naquele Dia. Procederia Deus com juízo que derivasse de dois pesos
e duas medidas?
Em 13.8, vemos o autor externando seu juízo de
justiça, como se estivesse este juízo equiparado ao divino, ao comentar a morte
de um certo Menelau, declarando a respeito que a mesma foi procedida : “…com
plena justiça, pois ele havia cometido muitos pecados contra o altar…”.
Em 14.37, um certo Razias é
intitulado “Pai dos judeus”. Esta designação, segundo o autor, decorria das
virtudes desse ancião que sempre se propunha às demandas em benefício do povo
judeu. Porém, não há como coadunar com este propósito, posto que os fariseus,
os mais escrupulosos representantes da norma mosaica, reconheciam como “Pai”
(no contexto terreno) apenas a Abraão (Lc 1.73; 3.8). Este adjetivo honroso era
empregado com muito cuidado pelo povo judeu e sua atribuição neste apócrifo a
este completamente desconhecido Razias se presta apenas ao
desabono do livro. Não obstante este crédito a Razias, um
procedimento particularmente seu, também narrado na obra (v.41), compromete
ainda mais a suposta nobreza do personagem. No v.41, Razias,
cercado de todos os lados pelo exército inimigo, segue o modelo de covardia de
Saul (1Sm 31.1-6) e se atira sobre a própria espada, com a óbvia intenção do
suicídio. Após tão grave ferimento, descreve o texto sua carreira em direção a
muralha, da qual se arremessou sobre o povo abaixo, o que, como se já não
bastasse a espada e a queda de não menos de cinco metros, ainda se acha com
vida, conseguindo, não se imagina como, deslocar-se correndo no meio as tropas
até chegar a uma rocha, sobre a qual, postado de pé, provavelmente valendo-se
da incisão provocada pela espada em seu abdome, retira as próprias entranhas
com as mãos e as lança contra o povo. O encerramento apoteótico desta narrativa
realmente parece alcançar níveis cinematográficos, quando não, fabulosos e
míticos. Após tantos excessos, torna-se desnecessário discutir a descabida
afirmação de que o suicídio de Razias retratava sua nobreza,
posto que tal iniciativa era vedada aos judeus (Êx 20.13).
O ápice da fragilidade humana surge em 15.38,
quando o autor presta contas junto ao leitor sobre a qualidade da obra, nos
seguintes termos: “Se o fiz bem, de maneira conveniente a uma composição
escrita, era justamente isso que eu queria; se vulgarmente e de modo medíocre,
é isso o que me foi possível”.
Por todo o exposto, constata-se que, embora alguns
aspectos relacionados à historicidade possam merecer crédito, a obra, de um
modo geral, não goza do caráter qualitativo comum aos livros divinamente
inspirados.
IMPLICAÇÕES NO LIVRO DA SABEDORIA DE
SALOMÃO
A obra grega de sabedoria acha-se dividido em três partes, versando a primeira
(1-5) sobre a aplicação da sabedoria da vida humana, além de uma avaliação
sobre a sorte dos ímpios e dos justos nesta e na outra vida. Na segunda
partição (6-9), destaca-se a origem e a natureza da sabedoria, retratando
formas sobre como alcançá-la. Num último estágio (10-19), o tema central passa
a ser a sabedoria de Deus interagindo na história do povo eleito, enfatizando a
questão da libertação do cativeiro egípcio, apresentando, entretanto, um desvio
de assunto que consome os capítulos 13, 14 e 15, que visa uma severa censura
contra a idolatria.
A autoria é atribuída a Salomão, pelo que se depreende do texto de 9.7,8, até
porque, no grego, a obra é intitulada Sabedoria de Salomão.
Embora alguns considerem que parte da obra (1-5) tenha sido escrita em
hebraico, é certo que sua totalidade é originariamente grega, o que é provado
pelo fato da conformidade da composição em relação a língua cuja variedade
terminológica é rica.
A época de sua escrituração remonta a segunda metade do século I a.C., sendo,
portanto, o mais recente do cânon véterotestamentário adotado pela igreja romana
em suas versões bíblicas.
A obra apresenta clara semelhança com o estilo escriturístico de Salomão,
entretanto, já no primeiro capítulo (vv.13-14) uma declaração chamam-nos à
atenção respeitando, respectivamente, a ortodoxia e a biologia prática: “…Pois
Deus não fez a morte…”. Ainda que oriunda da consequência do pecado, a morte
(física para o caso) incontestavelmente proveio e provém de Deus, visto que,
estando apenas o primeiro casal no Éden, quem, a não ser Deus, poderia
adverti-los com as palavras: “… porque no dia em que dela comeres terás que
morrer…”(2.17 – BJ).
Em 2.24 é questionável a afirmação que versa que “foi por inveja do diabo que a
morte entrou no mundo…”, pois não corresponde a realidade ortodoxa. Romanos
5.12 esclarece-nos que a morte decorre do pecado, o qual, concernente ao ser
humano, se traduz na desobediência de Adão (Gn. 3.8-19). A consideração acerca
da morte como aflição para o homem é diretamente atribuída a sua própria
concupiscência e, no máximo, indiretamente, a inveja satânica.
Em 3.13 o texto versa sobre a esterilidade imaculada, suposta virtude que,
endossada pela nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém, parece reportar-se à
pessoa e a doutrina mariana praticada por Roma.
Uma nova e excessiva declaração do autor sobre os sentimentos de Deus em
relação ao pecador, se acha em 14.9, nos termos: ”Pois Deus detesta igualmente
o ímpio…”. Em 11.23,24, o autor declara que Deus ama todas as suas criaturas,
posto não fazer acepção de pessoas (At. 10.34), já que Ele mesmo não pode pecar
nesse ou em qualquer outro aspecto (Tg 2.9).
Um contraste interessante acerca da moradia espiritual (pós-morte) do homem mau
(17.1-21) e do justo (18.1-4) salta aos olhos, posto que nele não se faz caso
do estado intermediário proposto pela herege tese romana que o nomeou
purgatório; e que aqui no apócrifo de Sabedoria sequer encontra espaço.
IMPLICAÇÕES NO LIVRO DE ECLESIÁSTICO
O título no latim é Eclesiásticus,
denominação recente aplicada por São Cipriano. Já na nomenclatura grega, o
livro é denominado “Sabedoria de Jesus, filho de Siraque”, cujo autor se vê
mencionado em 50.27.
Na introdução, o neto do autor discorre
sobre ter traduzido o livro quando viera morar no Egito, no ano 38 do rei Evergetes.
Ben Sirac (como também é conhecido o autor)
é um escriba que demonstra amor tanto pela sabedoria como pela Lei; é um homem
fervoroso quanto o respeito e zelo pelo Templo e cujas cerimônias referenciam o
sacerdócio, mas também conhece profundamente as Escrituras Sagradas, em
especial, os escritos sapienciais.
Nota-se que a obra, tipicamente, apresenta
pouca ordem de disposição dos temas além de repetições, numa sequência de
máximas breves.
O livro possui dois apêndices que foram
acrescidos: Um livro de ação de graças em 51.1-12 e um poema que versa sobre a
busca da sabedoria em 51.13-30.
Talvez o ponto de maior polêmica resida no
contexto onde Ben Sirac fala de sua consciência e certeza de uma libertação
vindoura, mas que decorreria da fidelidade a Lei e não como obra de um Messias
Salvador.
Em 3.14,15 destaca um equívoco quanto à reparação
de pecados que poderiam ser atenuados por caridades que o filho viesse dirigir
a seu pai, como se fosse possível nesse ato de caridade proceder-se a devida
expiação.
O livro de Eclasiático também se acha repleto de
máximas desconexas e ininteligíveis, como ocorre em 7.26: “Tens uma mulher
segundo teu coração? Não a repudies! Contudo, se não a amas, nela não
confies. É paradoxal tal exortação, já que qualquer não escolheria
para si (como esposa) mulher que não ame ou na qual não possa confiar, não
podendo ser esta, portanto, segundo o coração do marido.
Outro tema amiúde tratado em apologética cristã e
que respeita a iconografia romana, é o que esclarece o ponto acerca da veneração e adoração.
O autor declara aos jovens: “…venera os sacerdotes”. Tal qual o erro do
culto às imagens, em consonância com o costume católico que respeita ao clero,
tenta se incutir na mente juvenil um excessivo valor a personalidade eclesiástica,
quando não cabível.
Versando sobre o amor ao próximo, o apócrifo em
análise apresenta graves distorções: “…não ajudes o pecador […] não dês nada
ao ímpio […] recusa-lhe o pão…” (12.4,5,7). Bem ao contrário do que
escreveu Salomão, o qual ensinou: “Lança o teu pão sobre as águas […]
Reparte com sete e ainda até com oito, porque não sabes que mal haverá sobre a
terra” (Ec 11.1,2). Ainda que o figurativo nos remeta a uma visão
evangelística, a própria metáfora faz inferir que o correto é repartir e jamais
negar o pão ao que tem fome, mesmo o inimigo.
Os trechos de 3.1; 12.12; 16.24; 23.7; 31.22; 33.19
e outros, mostram-nos claramente que Ben Sirac falava do que lhe era peculiar; tanto assim, que declarou em 13.26 que “a invenção
de máximas é um trabalho penoso.” Ora, o termo invenção revela
a dificuldade que ele enfrentava nessa empreitada, bem como o fato de suas
sentenças se originarem em suas próprias divagações, enquanto que Salomão, em
momento algum de suas linhas sapienciais murmurou dificuldades.
Em 22.3 declara: “Um filho mal-educado é a
vergonha do pai, mas uma filha nasce para sua confusão”. Ora, ainda que
consideremos a valoração da sociedade de então tinha para com a personalidade
feminina, isso não habilitaria mesmo um contemporâneo desmerecer a tão ponto a
figura da mulher. Não há precedente semelhante nas obras de Salomão ou nos
canônicos. Esta máxima, de caráter quase vulgar, faz inferir que era melhor ter
dez filhos mal-educados que uma filha sábia.
Em 30.23 encontramos mais um conceito do autor de Eclesiástico que contraria a
ideia de Salomão, no caso, quanto à alegria e a tristeza. Ben Sirac entende que
“na tristeza não há utilidade alguma e, portanto, ela deve ser afastada de
si”. Quando Salomão (Ec. 7.1-4) faz comparações entre a casa onde há festa
e aquela onde há luto, atribuindo à casa de luto concentração de Sabedoria,
enquanto que onde há felicidade, permanecem os tolos. Parece não haver consenso
entre o sábio Salomão e o pseudo-sábio Ben Sirac.
É interessante a apresentação do entendimento de
Sirac acerca do episódio que envolveu Saul e a necromante de Em Dor (46.20),
quando relata na forma de máximas elogiosas a suposta manifestação de Samuel: “Mesmo
depois de morrer profetizou, anunciou ao rei seu fim; do seio da terra elevou a
sua voz para profetizar, para apagar a iniquidade do povo”.
Em 48.13, semelhantemente ao que propõe de Samuel,
o escritor afirma que também Eliseu, o profeta, teria profetizado após sua
morte. A nota de rodapé dos editores da Bíblia de Jerusalém, de
per si, desmerece o autor de Eclesiástico, citando como correlato deste
texto o de 2Reis 13.20,21, que não refere tal ocorrência, narrando apenas a
ressurreição do falecido que fora jogado na cova de Eliseu, ocorrida após o
corpo daquele tocar os ossos do profeta, restando isolada a afirmação de Ben
Sirac de uma profecia pós-morte de Eliseu.
Finalmente, ao encerrar sua exposição, surge entre
colchetes a palavra “assinatura”, querendo, ao que parece, enfatizar a
origem e a responsabilidade pela autoria, recurso incomum e completamente fora
do padrão canônico que se aprecia nos livros inspirados.
IMPLICAÇÕES NO LIVRO DE BARUC
Quanto a sua disposição ordinária dentro das
Escrituras, constatamos que, na Bíblia grega (LXX) acha-se instalado entre os
livros de Jeremias e suas Lamentações, enquanto que a Bíblia latina (Vulgata),
acomoda-o após as Lamentações.
Segundo a introdução do livro (1.1-14) parece ter
sido escrito por Baruc, uma espécie de secretário-escrevente (Jr 36.4,32) de
Jeremias nas regiões babilônicas.
A introdução da obra fora escrita originariamente
no grego, enquanto que o trecho que retrata uma oração, compreendendo de 1.15 a
3.8, aparentemente comentando a oração de Daniel achada em seu livro (Dn
9.4-19), pertence a um período mais antigo, e cuja escrituração se atribui ao
idioma hebraico.
A data da confecção destes textos é semelhante a
dos demais apócrifos, isto é, aproximadamente 100 a.C.
O proveito do livro, segundo a visão católica,
estaria na qualidade de testemunho que estes escritos possuem, como uma
rememoração do profeta. O livro de Baruc não se acha repleto de implicações
como se observou dos demais apócrifos constantes do cânon católico romano,
todavia não se pode atribuir qualidade de obra divinamente inspirada quanto a
este volume.
O ponto de maior importância a ser observado neste
apócrifo é, talvez, o que se acha traduzido no capítulo 6, o qual, como um
todo, depõe severamente contra a iconografia romana.
Uma apreciação perfunctória é suficiente para
descortinar o equívoco romano em acrescer à Bíblia este volume, uma vez que,
empregando a devida exegese do texto, norteada por uma apologética tanto lógica
quanto doutrinária, vê-se possível a acusação contra a tradicional prática
idolátrica ditada pelo magistério eclesiástico da igreja romana.
Em 6.34 possibilita uma análise particular, com
base no texto que diz: “…e se alguém, tendo-lhes feito um voto (aos ídolos)
não o cumprir, eles não lhe irão pedir contas…”. Tal e qual ocorre com
qualquer que, na qualidade de devoto, apresente uma promessa diante do ícone de
barro, madeira ou qualquer outra matéria, caso deixe de cumprir a parte que lhe
cabe no pacto, nada de mal lhe ocorre. Apenas a crendice “terrorista” daqueles
que propagam este folclore na forma de ameaça é que faz o devoto temer uma
suposta represália de seu “santo” de devoção. Toda a sequência do capítulo 6,
por repetidas vezes, insiste em declarar que estas representações iconográficas
“…não são deuses…”, causando problema, consequentemente, ao proceder dos
próprios católicos romanos.
ACRÉSCIMOS AO LIVRO DE DANIEL
As versões católicas da Bíblia, entre Daniel
3.24-50, no episódio da fornalha de fogo, transcrevem palavras que expressam
lamentações de Azarias (Abede-Nego) que não encontram paralelos entre os
canônicos. Nesta sequência, supostamente prolonga-se a estadia dos companheiros
de Daniel no interior da fornalha para que o Cântico dos Três
Mancebos fosse declamado por completo (51-90). A contestação que se
baseia subjetivamente na impossibilidade de precisar o tempo de permanência dos
mesmos no interior da fornalha não justificaria o acréscimo, já que o texto
consagrado conta que tão logo o rei constatou a imunidade dos mancebos ante as
chamas, cessou sua sentença.
Os capítulos 13 e 14 versam, respectivamente, a
história de Suzana, onde se vislumbra a inocência pura de Daniel e as histórias
de Bel e da serpente sagrada, que se constituem em jocosas censuras a
idolatria.
ACRÉSCIMOS AO LIVRO DE ESTER
Estes acréscimos objetivam ir além do mero relato
secular apresentado pela porção canônica do livro de Ester, costumeiramente
lido nos cerimoniais do purim, ressaltando o sentido religioso da obra em sua
narrativa original. A Vulgata Latina acomoda esses acréscimos
no final do canônico, como um apêndice. A datação aproximada dessa obra está
entre 114 a.C. e 78 a.C., para a qual se observa o idioma hebraico,
posteriormente traduzido para o grego.
MERECEM CONFIANÇA OS APÓCRIFOS DO
ANTIGO TESTAMENTO?
Resumindo toda esta exposição, consideramos que o
amplo emprego dos livros apócrifos por parte dos cristãos desde os tempos mais
primitivos é evidência de sua aceitação pelo povo de Deus. Essa longa tradição
culminou no reconhecimento oficial desses livros como se tivessem sido
inspirados por Deus. Mesmo os não-católicos, até o presente momento, conferem
aos livros apócrifos uma categoria de paracanônicos, o que se deduz do lugar
que lhes dão em suas Bíblias e em suas igrejas.
O cânon do Antigo Testamento até a época de Neemias
compreendia 22 (ou 24) livros em hebraico, que, nas Bíblias dos cristãos,
seriam 39, como já se verificara por volta do século IV a.C. Foram os livros
chamados apócrifos, escritos depois dessa época, que obtiveram grande
circulação entre os cristãos, por causa da influência da tradução grega de
Alexandria. Visto que alguns dos primeiros pais da igreja, de modo especial no
Ocidente, mencionaram esses livros em seus escritos, a igreja (em grande parte
por influência de Agostinho) deu-lhes uso mais amplo e eclesiástico. No
entanto, até a época da Reforma esses livros não eram considerados canônicos. A
canonização que receberam no Concílio de Trento não recebeu o apoio da
história. A decisão desse Concílio foi polêmica e cheia de preconceito.
Os livros apócrifos, seja qual for o valor
devocional ou eclesiástico que possuem, não são canônicos, o que se comprova
por fatos:
Por que não podemos aceitar os livros apócrifos
do Antigo Testamento
|
A comunidade judaica jamais os aceitou como canônicos.
|
Não foram aceitos por Jesus, nem pelos autores do Novo Testamento.
|
A maior parte dos primeiros grandes pais da igreja rejeitou sua
canonicidade.
|
Nenhum concílio da igreja os considerou canônicos senão no final do
século IV.
|
Jerônimo, o grande especialista bíblico e tradutor da Vulgata,
rejeitou os livros apócrifos.
|
Muitos estudiosos católicos romanos, ainda ao longo da Reforma,
rejeitaram os livros apócrifos.
|
Nenhuma igreja ortodoxa grega, anglicana ou protestante, até a
presente data, reconheceu os apócrifos
como inspirados e canônicos, no sentido integral dessas palavras.
|
Em virtude desses fatos importantíssimos, torna-se
absolutamente necessário que os cristãos de hoje jamais usem os livros
apócrifos como se fossem Palavra de Deus, nem os citem em apoio autorizado a
qualquer doutrina cristã. Com efeito, quando examinados segundo os critérios
elevados de canonicidade estabelecidos, verificamos que aos livros apócrifos
faltam:
Os apócrifos não reivindicam ser proféticos.
Não detêm a autoridade de Deus.
Diante de tudo isso, perguntamos: “Merecem
confiança os livros Apócrifos do Antigo Testamento?” A resposta obvia é: NÃO!
APÓCRIFOS DO NOVO TESTAMENTO
Contrariamente ao que muitos imaginam, a relação de
livros qualificados como “obras ocultas” e de procedência incerta, também
enumeras escritos diretamente relacionados a Jesus Cristo, inscritos num
período posterior ao seu nascimento; ministério; martírio e ressurreição.
Ao contrário do que ocorreu com apócrifos do Antigo
Testamento, para o Novo Testamento, não se procedeu a adições de obras
“ocultas”, antes, preservou-se a paridade entre as versões bíblicas existentes,
contendo todas 27 livros, dispostos na forma atual por influência da Vulgata
Latina.
Dado o pouco contato da maioria dos cristãos com os
temas relacionados ao cânone sagrado, permanece quase que no anonimato bíblico-literário
o rol de escritos neotestamentários que não figuram entre os já consagrados.
Neste domínio, enumeraremos várias composições que,
não obstante terem sido exaustivamente examinadas pelos estudiosos judeus e
teólogos protestantes, não atenderam aos critérios estabelecidos pelo corpo
eclesiástico que deliberou acerca da matéria à época da conclusão do cânon do
Novo Testamento.
Foi no transcurso de vários séculos que o cânon
passou a se reconhecido, graças a morosidade dos meios de transporte e das formas
de comunicação disponíveis, o que proporcionava lentidão na apreciação dos
escritos por parte dos cristãos do ocidente, para que, enfim, pudessem estarem
cientes das evidências observadas nos volumes que já haviam percorrido o
oriente e assim reciprocamente.
No período anterior a 313 d.C., os constantes
levantes contra a igreja cristã impediram seu progresso doutrinário e
teológico, determinando um intervalo nas pesquisas e considerações e, tanto
assim, no processo de reconhecimento dos livros analisados.
Restabelecidas as condições necessárias,
alcançou-se, em curto prazo, a relação geral de todos os livros canônicos,
consagrados nos Concílios regionais de Hipona (393 d.C.) e Cartago (397 d.C.).
A definição desse primeiro rol de livros sacros
inspirados não exigia regularidade precisa, mas isso somente até que Marcião
divulgasse seu cânon gnóstico, no qual estava compreendido apenas o Evangelho
de Lucas e dez das Epístolas do apóstolo Paulo, procedimento efetivamente
concluído no século II.
Cartas e evangelhos apócrifos surgiram durantes os
séculos II e III e, tendo em conta que estas obras reclamavam autoridade
divina, a igreja cristã, nas pessoas de seus maiores expositores, teólogos e
estudiosos da ocasião, precisou demarcar limites para o cânon para que fosse
reconhecido como autêntico e inspirado, como os que já eram conhecidos.
Geisler apresenta alguns critérios que poderiam se
empregados na distinção dos volumes aos quais se deseja atribuir canonicidade,
enfatizando a diversidade entre determinação e descoberta,
posto que Deus é o único responsável por determinar a
autenticidade, enquanto que ao homem cabe apenas descobri-la. O
processo se resumiria nas seguintes etapas:
O livro foi:
|
Escrito por um porta-voz de Deus;
|
Que foi confirmado por um ato de Deus;
|
Que foi confirmado por um ato de Deus;
|
Que foi confirmado por um ato de Deus;
|
No poder de Deus e
|
Foi aceito pelo povo de Deus.
|
Se a obra já atendia claramente ao primeiro
critério, então o título canônico geralmente era dado. A contemporaneidade de
homens que tivessem vivido na mesma época do profeta-escritor ou apóstolo,
procedia ao atestado de veracidade oficial.
Os pais da igreja de épocas posteriores examinaram
a abundância de literatura religiosa para definirem de forma oficial quais
dentre as muitas estavam dotadas de inspiração divina, na forma como Paulo cita
em 2Timóteo 3.16.
CRONOLOGIA DOS APÓCRIFOS NEOTESTAMENTÁRIOS
|
26 – 30 d.C.
|
Crucificação de Cristo.
|
45 – 70 d.C.
|
Escrita dos Evangelhos de Mateus e Lucas.
|
46 d.C.
|
Paulo inicia seu trabalho missionário.
|
50 – 70 d.C.
|
Possível período de compilação da fonte “Q” (frases de Jesus) e
das parábolas do evangelho de Tomé.
|
64 – 70 d.C.
|
Período da escrita do Evangelho de Marcos.
|
70 d.C.
|
Roma reprime a revolta judaica e destrói Jerusalém. Morre a
maior parte dos judeus seguidores de Jesus.
|
90 – 100 d.C.
|
Escrita do evangelho segundo Hebreus.
|
Século II
|
Escrita da maior parte dos evangelhos apócrifos.
|
144 d.C.
|
Marcião propõe um cânone com apenas o Evangelho de Lucas e
dez epístolas de Paulo.
|
150 d.C.
|
Escrita do evangelho de Maria Madalena.
|
170 – 180 d.C.
|
Taciano propõe o Diassênteron, uma versão condensada dos
Evangelhos tradicionais; obra de sua autoria que a igreja rejeita.
|
325 d.C.
|
O Concílio de Nicéia faz uma primeira separação dos Evangelhos
canônicos e apócrifos.
|
335 d.C.
|
O cristianismo se torna a religião oficial do império romano.
|
363 d.C.
|
O Novo Testamento é oficialmente reconhecido como canônico,
exceto o livro de Apocalipse.
|
397 d.C.
|
O Concílio de Cartago decide reincorporar o livro de Apocalipse.
|
1546 d.C.
|
Confirmação oficial do cânon (na forma como surge na Bíblia católica),
no Concílio de Trento.
|
1945 d.C.
|
O texto de Tomé é encontrado.
|
Relacionados de acordo com a importância que se
lhes atribui até os dias atuais, enumeram-se oito evangelhos cuja repercussão
despertou a crítica dos estudiosos, o que lhes granjeou (aos livros) posição de
destaque entre as inúmeras obras desse genro. São eles:
Proto-evangelho de Tiago
|
Evangelho de Maria Madalena
|
Evangelho de Pedro
|
Evangelho Segundo os Egípcios
|
Evangelho de Felipe
|
Evangelho de Bartolomeu
|
Evangelho de Tomé
|
Evangelho segundo os Hebreus
|
A seguir relacionamos as principais características
dos evangelhos apócrifos, dentre os quais destacaremos com maior ênfase o “Evangelho
de Tomé” e o “Evangelho segundo os Hebreus”:
PROTO-EVANGELHO DE TIAGO
O título surgiu a partir da publicação, procedida
no século XVI, sendo que até então, era reconhecido apenas por Livro de
Tiago; seu autor é desconhecido e, o título, embora queira sugerir produção
apostólica, fora aplicado tão somente com o intuito de atribuir credibilidade à
obra, segundo a tradição, escrita em parceria com José (carpinteiro), este
narrando trechos entra os capítulos XVIII e XXI.
EVANGELHO DE MARIA MADALENA
Dois fragmentos, um copta e um grego, propiciaram a
redação desse apócrifo, que é por alguns reconhecido como escrito gnóstico. O
texto copta, conhecido em 1896, fora publicado em 1955 e data do século V; o
grego publicado em 1938, data do século II.
EVANGELHO DE PEDRO
A atribuição, até hoje, é tida por fictícia,
referindo-se a Pedro. A data de inscrição não excede a segunda metade do século
II, tendo-se por certo que seu original procede da Síria, crendo alguns, que o
berço dessa obra teria sido a Diocese de Serapião, na Antioquia.
EVANGELHO DOS EGÍPCIOS
Referências de Clemente, Hippólito e Epifânio são
coesas no sentido de identificar também este apócrifo como gnóstico. Seu título
não é incontestável, o que impossibilita uma identificação precisa de seus
usuários. Tido com a mais antiga obra gnóstica apócrifa, sua escrituração é
datada da segunda metade do século II.
EVANGELHO DE FELIPE
Reconhecido evangelho gnóstico. Os acontecimentos
que envolvem Jesus diferem substancialmente daqueles narrados nos evangelhos canônicos.
Os trechos preservados em traduções coptas datam de 300 d.C. ou 400 d.C., já a
datação dos originais, tida por controversa, está entre 120 d.C. e 180 d.C.
EVANGELHO DE BARTOLOMEU
Há um tema exótico neste apócrifo, retratando um
diálogo supostamente havido entre Bartolomeu e Jesus com Belial, no qual
Bartolomeu dirige uma pergunta a Belial acerca de sua queda e do motivo pelo
qual negara homenagem a Adão, e cuja resposta foi: “Eu fui feito de fogo e
água, e primeiro do que ele; eu não adoro o barro da terra”. Daí a provável
atribuição de seu nome, isto é, “aquele que não reconhece autoridade alguma.”
Data dos séculos II e III.
EVANGELHO DE TOMÉ – O DÍDIMO
A descoberta desse importante manuscrito deu-se em
1945, quando um camponês que vivia na região de Nag Hammadi (principal centro
do descobrimento de manuscritos antigos) localizou-o, numa das 150 cavernas
existentes nesta região do Alto Egito.
Este evangelho, qualificado pelo autor como
“secreto”, possui intensa ligação com o evangelho de Felipe, e despertou grande
interesse de pesquisadores do cristianismo primitivo por trazer, como atestam,
preciosos esclarecimentos, entre os quais destacam-se:
O fato de distinguir-se completamente do evangelho apócrifo da
infância de Jesus, mais conhecido como o evangelho do pseudo-Tomé (ou
pseudo-Tomás);
|
A partir dele torna-se possível identificar três fragmentos dos
papiros encontrados em Oxyrhinchus, os quais datam do
século III;
|
Elucida questões atinentes ao pensamento dos gnósticos da época, bem
como retrata o pensamento dos
judeus-cristãos de então.
|
Resume-se num apanhado de frases e palavras
atribuídas ao Senhor Jesus, além de parábolas evangélicas. É necessário frisar
que esta obra deve ser distinta do evangelho do pseudo-Tomé.
Seu caráter gnóstico também fica evidenciado na
argumentação, além do que, a existência de trechos de complexo entendimento,
atesta prováveis deslizes na tradução do texto grego para o copta. Apesar dessa
probabilidade, o grego não figura como idioma original, restando dúvida entre o
semita e o siríaco. O seu texto, porém, parece não passar de uma tradução.
A obra em sua integridade, com 114 versículos e
apenas um capítulo, caso sofresse a apreciação crítica oriunda da ortodoxia e
apologética derivadas dos conceitos canônicos, sucumbiria, sem dúvida, pelas
muitas incompreensões que restariam consequentes de sua enigmática redação.
No conteúdo desse apócrifo (v.7) encontramos, por
exemplo, um trocadilho tão incompreensível quanto àqueles observados em
Sabedoria e Eclesiástico, que diz: “Bendito o leão que for comido pelo homem,
pois que o leão tornar-se-á homem; e maldito o homem que for comido pelo leão,
pois que o leão tornar-se-á homem”.
O v.10 parece contrapor-se ao propósito dos
canônicos, já que a suposta sentença prolatada verbalmente por Cristo, nos
termos: “Vim para atear fogo ao mundo…”, obsta em primeiro momento dos textos
de João 10.10 e 12.47.
EVANGELHO SEGUNDO OS HEBREUS
Este talvez seja o evangelho apócrifo mais antigo e
mais citado entre aqueles cujo texto original extraviou-se, apresentando outras
variações de nomenclatura, entre as quais: Evangelho Segundo os
Hebreus; Evangelho de Mateus e Evangelho Segundo os Apóstolos.
Estudiosos referendam que esta era uma literatura
comumente empregada pelos nazarenos e ebionitas. O primeiro grupo,
provavelmente, descendentes dos judeus cristãos que, antes da derrocada de
Jerusalém no ano 70 d.C., migraram para a orla oriental do Rio Jordão. Em
relação ao segundo, não há concordância sobre serem eles os heresiarcas que
empregavam o evangelho intitulado dos Ebionitas, fundamentando-se
nele para negarem a divindade de Cristo, ou mais um grupo que, embasado na Lei
Mosaica, negava a validade da escrita e dos conceitos cristãos, posicionados,
logo, como membros do judaísmo contrários à teologia propagada pelo apóstolo
Paulo, tida por eles como universalista.
O idioma do texto original, atesta São Jerônimo,
teria sido o aramaico, língua usada pelos judeus naquela época, fato que está
em conformidade com o título do livro.
Os escritos de São Jerônimo a respeito deste
apócrifo também testemunham a tradução desse documento, por este eminente
expositor, para o grego e o latim, todavia, não nos restou certeza da conclusão
desse trabalho, posto as mesmas não terem chegado a épocas mais recentes.
Semelhante ao Evangelho de Tomé,
porções do Evangelho Segundo os Hebreus permaneceram
preservadas apenas na língua siríaca (n.12 e n.13), enquanto que o n.41,
remanesce exclusivamente em copta.
É fato que os ebionitas utilizaram apenas do Evangelho
de Mateus como fonte de conhecimento e influência, o que explicaria a
grande semelhança entre ambos, cogitando-se uma possível adaptação do canônico
na versão apócrifa.
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RENDTORFF, Rolf. A formação do Antigo
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GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São
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