Por Paulo Cristiano da Silva, cientista Social com especialização em sociologia política, teologia e apologética cristã.
No dia 6 de junho de 2025, foram
finalmente divulgados os tão aguardados dados do Censo Religioso Brasileiro,
fornecidos pelo IBGE. Com um atraso de três anos, as estatísticas apresentadas
revelaram informações surpreendentes sobre o panorama religioso do Brasil.
Uma das maiores surpresas foi o
crescimento expressivo das religiões de matriz africana, como Umbanda e
Candomblé, que praticamente triplicaram em número de adeptos. No entanto,
continuam representando uma minoria religiosa.
Por outro lado, os evangélicos mais uma vez se destacaram como o
grupo religioso que mais cresceu, com um aumento de 5,2 pontos percentuais em relação a 2010.OS EVANGÉLICOS
CONTINUAM CRESCENDO
O segmento evangélico, que inclui
igrejas protestantes históricas, pentecostais e neopentecostais, passou de
21,7% da população em 2010 para 26,9% em 2022. Isso representa 47,4 milhões de
brasileiros que hoje se declaram evangélicos.
Apesar desse crescimento, ele foi
inferior ao registrado na década anterior (2000-2010), quando o aumento foi de
6,5 pontos percentuais — uma diferença de 1,3 ponto.
OS CATÓLICOS
REDUZEM A PERDA?
Enquanto os evangélicos celebram um
crescimento consistente, muitos católicos consideraram positivamente a
desaceleração na perda de fé, ou que alguns sociólogos chamaram de
“estancamento da sangria”. Isso porque havia previsões, especialmente após o
Censo de 2010, que indicavam uma queda ainda mais acentuada, projetando que os
evangélicos ultrapassariam os católicos até 2032.
Em 2010, os católicos representavam
65,1% da população. Em 2022, caiu para 56,7%, uma perda de 8,4 pontos
percentuais — ainda significativa, mas menor do que a queda de 9% registrados
entre 2000 e 2010.
EXPLICAÇÕES PARA A
DESACELERAÇÃO EVANGÉLICA
Muitos analistas procuraram explicar
a chamada “desaceleração” do crescimento evangélico. Algumas explicações são
plausíveis; outras, ideológicas ou simplistas. Abaixo, destacamos três fatores
fundamentais que merecem atenção e aprofundamento:
1 - Problemas
técnicos na pesquisa
O demógrafo José Eustáquio Diniz
Alves alertou para uma inconsistência preocupante: o IBGE projetou uma
população de 203 milhões em 2022, mas um ano depois revisou esse número para
210,8 milhões — uma diferença de quase 8 milhões de pessoas.
Se milhões de brasileiros não foram
contatados ou corretamente classificados, isso pode ter impactado diretamente
os dados religiosos, especialmente entre os evangélicos, cuja identificação
religiosa é mais sensível à forma de abordagem. Muitos poderiam ter sido
subnotificados ou classificados em categorias genéricas, como “sem religião” ou
“outras religiosidades”.
Esse tipo de erro metodológico é
especialmente prejudicial para comunidades religiosas descentralizadas, como
muitas igrejas evangélicas, em que o pertencimento não está ligado a estruturas
formais com cadastros centralizados. Pesquisas mais qualitativas, como as
feitas por institutos confessionais, puderam fornecer uma contranarrativa e
indicar um crescimento ainda maior do que o registrado oficialmente.
2 - O fenômeno dos
desigrejados
A antropóloga Jacqueline Teixeira, da
USP, destacou o crescimento dos chamados “desigrejados”, que ela chama de
“evangélicos não praticantes” — termo impreciso. Esses indivíduos foram
afastados de instituições religiosas, mas não da fé evangélica em si. Muitos
continuam com práticas religiosas ativas, como leitura bíblica, oração e
reuniões em casas, o que caracteriza mais um modelo alternativo de comunidade
do que um abandono da fé.
Esse movimento não é marginal ou
recente. Desde a década de 1990, já existia nos EUA o movimento dos “nones”
(sem filiação denominacional), que no Brasil encontra eco no crescimento das
comunidades caseiras, redes informais de discipulados e cultos domésticos.
Muitos desses crentes são identificados simplesmente como “cristãos”, sem
afiliação denominacional, ou que podem ser levados a cair na categoria de
“outras religiosidades” no Censo.
Estudos paralelos de organizações
evangélicas apontam que os desigrejados representam uma parcela específica e
crescente do público evangélico principalmente depois da pandemia. Se verificado,
poderia aumentar significativamente o percentual de evangélicos no Brasil.
3 - Católicos são
realmente a maioria?
A categoria “católico” no Censo é
autodeclaratória e cultural. Isso significa que muitas pessoas que não
frequentam missas, não praticam os sacramentos ou se misturam (como
reencarnação, benzimentos e práticas de religiões afro) ainda se consideram
católicas por tradição familiar ou cultural.
Pesquisas mais desenvolvidas como o
Latinobarômetro e o Pew Research indicam que o número de católicos
“praticantes” no Brasil é muito inferior ao número oficial do Censo. Em
contraste, uma adesão evangélica tende a envolver maior compromisso com a fé —
frequência aos cultos, envolvimento com a Bíblia, contribuição financeira,
participação comunitária — o que torna o dado evangélico mais sólido e
confiável sociologicamente.
Muitos dos chamados “católicos”
frequentam centros espíritas, recorrem às benzedeiras e, como indicaram as
pesquisas do próprio IBGE, apenas diziam ser católicos por medo de preconceito
ao se declararem adeptos de religiões afro ou espiritualistas.
A GUERRA DAS
ESTATÍSTICAS ENTRE PROTESTANTES E CATÓLICOS
A publicação dos dados do IBGE foi
rapidamente transformada em munição apologética nas redes sociais. De um lado,
apologistas católicos celebraram o que compartilharam o “fim da sangria”, mesmo
com uma perda de mais de 8 pontos percentuais. Criou-se uma narrativa de um
suposto “avivamento católico”, muitas vezes sem base empírica clara.
Alguns chegaram a ter preferências à
eleição do Papa Francisco, à revitalização de movimentos como a RCC (Renovação
Carismática Católica) ou às estratégias pastorais mais modernas. No entanto,
não há provas concretas de que tais iniciativas tenham revertido ou freado
efetivamente o êxodo católico.
Do outro lado, os apologistas
evangélicos destacaram o crescimento de 5,2 pontos percentuais, praticamente em
linha com o crescimento da década anterior, contrariando a visão dos
pessimistas — como o jornalista Gerson Camarotti, da GloboNews, que previu um crescimento
de apenas 1%.
O QUE FAZER COM O
CRESCIMENTO?
Mais importante é saber que os
evangélicos estão crescendo é refletido: o que estamos fazendo com esse
crescimento?
- Estamos formando alunos ou apenas
juntando multidões?
- O crescimento é qualitativo ou
meramente numérico?
- As igrejas estão ensinando a sã
doutrina e desenvolvendo a espiritualidade bíblica?
- Estamos formando cristãos éticos,
íntegros e culturalmente relevantes?
O desafio não é apenas estatístico,
mas espiritual, social e cultural. É preciso garantir que o avanço numérico se
traduza em impacto transformador na sociedade brasileira — na política, na
economia, na educação, na mídia, nas artes e, acima de tudo, na vida cotidiana
das pessoas.
Conclusão
O crescimento evangélico no Brasil é real,
expressivo e contínuo — mesmo que em ritmo progressivamente menor. No entanto,
as estatísticas do IBGE, embora importantes, devem ser lidas com discernimento
e senso crítico. Fatores técnicos, sociológicos e teológicos devem ser
considerados antes de celebrações ou lamentações precipitadas.
Se na próxima década veremos os
evangélicos ultrapassarem os católicos ou não, ninguém sabe ao certo. Mas o que
sabemos é que temos uma missão a cumprir: anunciar o evangelho com fidelidade,
discipular com profundidade e transformar vidas com amor e verdade.
Referências
BBC News Brasil. “Avanço evangélico
perde força e outros 7 dados inéditos sobre religião no Censo 2022”. Disponível
em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/crk2p5xr0m7o. Acesso em: 08 jun.
2025.
TAVARES, Vitor. “Evangélicos vão ser maioria no
Brasil? O que diz nova projeção baseada nos dados de religião do Censo 2022”.
BBC News Brasil. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0r12xdl7rko. Acesso em: 08 jun. 2025.
ALVES, José Eustáquio Diniz. “Crescimento evangélico e revisão populacional”. Disponível em: <plataforma acadêmica>. Acesso em: 08 jun. 2025.
PEW Research Center. “The Future of World Religions”. Disponível em: https://www.pewresearch.org. Acesso em: 08 jun. 2025.
Latinobarômetro. “Religião e Cultura na América
Latina”. Disponível em: https://www.latinobarometro.org. Acesso em: 08 jun.
2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Graça e Paz de Cristo, será um prazer receber seu comentário. Jesus te abençoe.